domingo, 26 de dezembro de 2010

NATAL DE 1900





Noite escura.
Francisco Ferreira de Lima Silva naquela escura noite vinha subindo a escadaria do imponente palacete onde morava Waldemar Scholz e que muitos anos depois foi transformado no “Palácio Rio Negro”, sede do Estado do Amazonas, no governo de Alcântara Bacellar.

Lima Silva envergava terno de linho bege, chapéu de palhinha, gravata borboleta de seda azul-claro, sapatos de verniz, pretos. Elegante.
Vinha pensando, distraído, imaginando no que o velho Waldemar Scholz lhe tinha reservado, pois o riquíssimo Scholz era generoso, e na noite de Natal dava presentes caros. Trazia para o dono da casa um livro de contos, “Diferentes”, de 1895, de Quintino Cunha, que ainda morava em Manaus e depois publicaria, em Paris, o seu famoso livro de versos “Pelo Solimões”, em 1907, pela Livraria J. Aillaud. Quintino Cunha em Paris era amigo de Aillaud e de Faguet, da Academia Francesa

Para o Natal só, Scholz convidara para a ceia um grupo seleto: Lima Silva, novamente separado da mulher; o maestro Adelelmo do Nascimento, mulato, cultíssimo, violinista, voltava de Paris; Antonio Bittencourt, pai do professor Agnello Bittencourt, que tinha chegado do Ayapuá, no Purus, onde tinha uma mansão, e poucos outros.

Lima Silva era jornalista e fez carreira política em Manaus. Escreveu “Efemérides do Amazonas”, em 1884, gigantesca obra que permanece inédita e talvez se tenha perdido. Escreveu também um livro sobre os movimentos revolucionários. Foi deputado estadual, federal e participou do movimento de deposição de Gregório Thaumaturgo de Azevedo, Governador do Amazonas, quando Lima Silva saiu ferido. Homem de oposição, de luta, da esquerda da época. Thaumaturgo foi deposto, Guilherme Moreira assumiu, pois era o vice, e em poucos dias entregou o governo para Eduardo Ribeiro, o segundo vice.

A paixão dominava Lima Silva. Apesar de casado, pai de duas filhas, o amor por Marinalva o enlouquecia, cabocla pequena, leviana, sensual. Silva não sabia o que fazer. Marinalva o traía “até com os trapixeiros!”, pensava Silva, com ódio.

Ao chegar à porta do palacete Scholz parou e esperou que lhe abrissem. Um empregado, caboclo forte, meio índio, veio abrir:

- Pode entrar, disse o homem.

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