quinta-feira, 31 de março de 2011

RIO ABAIXO













Rio Abaixo


OLAVO BILAC


Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga...
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento.
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silêncio tristíssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fímbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

terça-feira, 29 de março de 2011

TEATRO AMAZONAS HISTÓRICO




TEATRO AMAZONAS



Tudo que diz respeito a Amazônia me desperta grande interesse. Então aproveito a ocasião para falar deste belíssimo trabalho do crítico, ensaísta e escritor Rogel Samuel, manauara, professor aposentado da UFRJ, e há muito radicado no Rio. É autor do clássico amazônico "O Amante das Amazonas" (Itatiaia, 2005), que abordarei numa outra ocasião. Pois desejo falar do romance "Teatro Amazonas" (Edua, 2012). "A obra conta a história de uma das mais opulentas casas de espetáculo do País, o Teatro Amazonas, inaugurado em 31 de dezembro de 1896 e, dentre outras características, redimensiona o papel de Fileto e Thaumaturgo na história do Amazonas. O livro ainda permite mergulhar em detalhes na Manaus do final do século XIX e início do século XX". A obra se encontra, creio, boa parte ou inteira disponível na internet, caso não tenha acesso a impressa.(ISAAC MELO) 



"Manaus é famosa pelo enorme Teatro Amazonas, uma casa de ópera construída com mármore italiano e rodeada de ruas revestidas de borracha para que o ruído das carruagens dos retardatários não atrapalhassem as vozes dos melhores tenores e sopranos da Europa. Terminado em 1896, dizem que sua construção custou mais de dois milhões de dólares. O dinheiro fluía livremente durante o boom e as classes mais altas de Manaus importavam de tudo a qualquer preço. Exploradores americanos descobriram que podiam vender suas roupas usadas de brim cáqui por cinco vezes o preço pago nos Estados Unidos depois que se cansavam de passear pela cidade em seus trajes de selva.

(Ao contrário dos brasileiros, que depois e voltar da selva costumavam tomar banho, barbear-se e comprar novas mudas de roupas o mais rápido possível, os americanos, segundo um observador, tinham o “irritante hábito de andar pelas ruas e se dirigir a seus oficiais superiores! Com seus “chapéus altos, botas de campanha e cartucheiras” (Earl Parker Hanson, Journey to Manaos, Nova York: Reynal and Hitchcock, 1938, p. 292).

Com mais cinemas que o Rio e mais salas de espetáculos que Lisboa, Manaus foi a segunda cidade do Brasil a ser iluminada por eletricidade e os visitantes que chegavam a ela pelo rio à noite durante os últimos anos do século XIX se maravilhavam com seu brilho em meio à escuridão, “pulsando no ritmo febril do mundo”. Mas não era apenas a luz que tornava Manaus e Belém, também eletrificada cedo, modernas. Seus muitos espaços escuros ofereciam locais para prazeres essencialmente urbanos. Roger Casement, cônsul da Grã-Bretanha no Rio, que mais tarde se tornaria famoso por suas atividades anti-imperialistas e antiescravagistas, escreveu em seu diário em 1911 a respeito de passar pelas docas de Manaus, escolhendo jovens homens para fazer sexo anônimo".


Cartão Postal do contemporâneo Teatro Amazonas, sem datação
A minha surpresa "caminha" pelas ruas emborrachadas e nos melhores tenores e sopranos europeus. Isso representa dizer que as "lendas urbanas" sobre o Teatro Amazonas ainda prosperam, mais de um século depois de inaugurado.


Fordlândia: ascenção e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva, de Greg Frandin, tradução de Nivaldo Montingelli Jr. Rio: Rocco, 2010 (339 p.)

http://catadordepapeis.blogspot.com/search/label/Teatro%20Amazonas

quarta-feira, 23 de março de 2011

DOS SONETOS AUTOBIOGRAFICOS DE L. RUAS














A égua caminhava a passos largos
Por entre a lama espessa, mal cheirosa,
A égua que nasceu de barro e sopro,
Pesada e, ao mesmo tempo, vaporosa.

A égua percorreu todo o passado:
É lenda, é mito, é sombra luminosa;
Galopa semeando vida e morte,
É frágil como a flor e belicosa.

Tem alma muito embora em seu ventre
Aninhe fauna imunda e tenebrosa
De serpes e batráquios peçonhentos.

A égua chega sempre. Chora às vezes.
Às vezes, come fezes. Eu a vi
Comendo, em céu de estrelas, uma rosa.

sexta-feira, 18 de março de 2011

CASTRO ALVES









Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A Amazônia como ópera


A Amazônia como ópera

Renan Freitas Pinto


Amazônia – Região universal e Teatro do mundo é uma obra coletiva que tem sua origem em evento internacional ocorrido em Viena em 2007. Foi concebido em forma de livro com versões, uma brasileira e outra alemã, tendo como organizadores Edna Castro, Willi Bolle e Marcel Wejmelka que, na apresentação, esclarecem a origem e a razão para o uso dos conceitos de “região universal” e “teatro do mundo”, aqui vinculando-os à Amazônia, acreditando existir nesse tratamento da região como ópera e teatro, a possibilidade de iluminar determinados elementos, protagonistas e figurantes que se encontram pouco visíveis em cena, produzindo uma nova possibilidade de representação e decifração da região.
O livro em seu todo propõe ao leitor a Amazônia como ópera, ou seja, como espetáculo total, como pretendia ser a ópera desde sua origem, mas principalmente após a experiência wagneriana, a partir da qual se pretendeu reunir todas as artes numa só e, para isso, não apenas utilizando todos os meios estéticos disponíveis, mas também a tecnologia das máquinas e conquista da indústria de novos materiais para a produção dos efeitos especiais e da grandiosidade cênica.
A idéia que estamos propondo para a leitura do livro é a de explorar as possibilidades que a linguagem operística e teatral nos oferece para assistirmos ao espetáculo que está sendo oferecido em diferentes palcos e cenários da Amazônia, com velhos e novos protagonistas e figurantes.
Apesar de ser a ópera, a rigor, uma forma de expressão que teve o seu auge, os seus dias dourados e que entrou em declínio e se tornou, sob certos aspectos caricatural e decadente (Theodor Adorno), estamos assistindo, como aponta a experiência que dá origem ao próprio livro, movimentos de novas experimentações no campo da ópera contemporânea, com especial destaque para os laboratórios de criação em atividade na Alemanha e outros países com experiências semelhantes.
Esses movimentos não estão propondo propriamente uma restauração da ópera, mas a criação de novas concepções de espetáculo total, envolvendo novas tecnologias e novos meios de produção do campo audiovisual, entre outros.
Na verdade, a idéia da Amazônia como palco não é totalmente nova.
A literatura de Márcio Souza, que é bem um exemplo, não apenas se inicia com um espetáculo de vaudeville, Galvez, o imperador do Acre, mas prossegue pontuada por vários outros momentos em que a Amazônia e sua história são tratadas como acontecimentos teatrais: A paixão de Ajuricaba e o todo o conjunto de seu teatro indígena, A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi e O Sapo Tarobequê são momentos especiais da visão de uma Amazônia como palco por parte do autor.
A leitura dos doze artigos e ensaios que compõem o livro deve ter em vista, portanto, a natureza operística e teatral dos respectivos enredos, cenários e personagens de cada um deles apresentam, pois são cenários e atos que tratam, desde a chegada dos primeiros protagonistas invadindo os cenários preexistentes, até o momento que estamos vivendo, no qual a tradução mais clara do global é a transfiguração do profundo colonialismo que nos envolve.
Não podemos esquecer que o auge da ópera coincide com a expansão do colonialismo e do imperialismo, processos históricos esses que estão inscritos na literatura, mas também em óperas como Aída e Madame Butterfly.

Primeiro Ato. Expedições e viajantes.

Como algumas óperas ou peças teatrais, a obra possui 3 partes. A primeira delas, “expedições, viagens e etnografias” nos conduz a um tipo de cenário que é descrito a partir de narrativas que nos informam sobre os diferentes tipos de contato dos europeus com os povos indígenas e sua terra. O texto de abertura, de autoria de Willi Bolle, tem como propósito aproximar e confrontar dois relatos produzidos, respectivamente, pelo frei Gaspar de Carvajal sobre a desbravadora e atribulada expedição de Orellana, um dos textos fundadores sobre a experiência do contato dos primeiros forasteiros com o vale do rio das amazonas, e as anotações de sua própria viagem em que busca refazer o trajeto daquela expedição, mais de quatro séculos decorridos.
Essa tentativa de “refazer o percurso daquela travessia” é sob vários aspectos esclarecedora das profundas transformações ocorridas, sem deixar entretanto de registrar o que aparentemente não se modificou em escala considerável, como é o caso de alguns de seus aspectos geográficos.
Vale lembrar que a leitura de uma seqüência de narrativas de viagens como as que tem como marco inicial a de Carvajal tem-nos levado a “viajar” ao longo de todos esses tempos transcorridos, podendo perceber as mudanças que vão se registrando, sobretudo em relação à existência, permanência e desaparecimento dos inumeráveis povos que povoam ao mesmo tempo, a geografia também em mudança e as narrativas que vão se sucedendo.
Ao tentar refazer o ambiente que motiva o relato de Carvajal, nosso viajante contemporâneo empreende simultaneamente uma outra viagem, desta vez através dos documentos e das idéias que revelam as bases de construção do projeto colonial e dão substância à experiência da ocupação ibérica dessa extensa porção da América.

O artigo de Joachim Tiemann, “O Diário Viagem pelo rio Purus, de Paul Ehrenreich”, se propõe a oferecer aos leitores de hoje um balanço crítico das anotações daquele viajante, cujas publicações correspondem de forma bastante próxima à própria ordem cronológica em que empreendeu suas viagens.
A preocupação principal de Tiemann é com o fato de que as anotações de Ehrenreich – cerca de seiscentas e setecentas páginas – tenham permanecido até o presente sem publicação e mesmo sem a divulgação que poderia ocorrer através de transcrições parciais de seus cadernos de notas.
Anota a propósito, que A Viagem pelo rio Purus, que corresponde ao primeiro de seus diários, está agora completamente transcrito. E parte o autor da convicção de que é importante a publicação de materiais como o que aqui é mencionado, pois, mesmo com suas limitações e visão preconceituosa, sobretudo em relação aos povos indígenas, relatos como esses representam importantes peças do grande quebra-cabeça que é a compreensão e o conhecimento mais profundo desses cenários e de seus protagonistas e figurantes, os povos indígenas.
Aproveita também o autor para contrapor a intolerância de Ehrenreich para com os povos indígenas em termos de preconceito e etnocentrismo, para lembrar a atitude de antropólogos como Theodor Koch-Grünberg e Claude Lévi-Strauss que percebiam o alcance destrutivo e desagregador da civilização ocidental sobre os povos indígenas do Novo Mundo.
Contudo, conclui o autor, Paul Ehrenreich pode ser considerado um observador atento e crítico, mesmo considerando que “seus critérios são eurocêntricos”, porque, no fim das contas, parece que este, ao longo de sua vida, conseguiu se libertar de preconceitos tradicionais e alcançar “juízos corretos e novos”.

Em “A etnografia participativa de Constant Tastevin e Curt Nimuendaju”, Priscila Faulhaber busca indicar traços que aproximam os dois antropólogos no sentido de que suas respectivas imagens “aparecem como parte integrante de ações identitárias de comunidades indígenas, pondo em destaque a condição de tradutores que eles desempenharam.
A apropriação do discurso do outro que está implícita nas práticas etnográficas termina por colocar os resultados desse tipo de experiência “fora do alcance dos próprios nativos, no circuito internacional de bens simbólicos do qual a própria produção científica faz parte.
A autora nos lembra a esse respeito, que as informações e acervos organizados em museus tem sido atualmente apropriadas por indígenas com o sentido de serem utilizadas em suas ações em busca de reconhecimento, por exemplo, de seus direitos.
Essas lutas por conquista e garantias de direitos não “deixam de estar atravessadas pelas práticas paternalistas que caracterizam a história do indigenismo no Brasil.
A autora procura indicar nas ações e trabalhos escritos dos dois estudiosos de povos indígenas no Brasil, aspectos que pudessem ser considerados como antropologia participante e para isso traça um breve, mas esclarecedor perfil espiritual e de formação intelectual dos dois antropólogos, freqüentemente lançando mão do recurso da comparação com outros estudiosos do mundo indígena.
Como dados essenciais de seu perfil de missionário e antropólogo, informa-nos que Tastevin “concluiu seu doutorado em filosofia em Roma, na Universidade Gregoriana (1903). Residiu de 1905 a 1926 em Tefé, cidade amazonense que então polarizava as relações étnicas e sociais regionais. Atuou como missionário da Congregação do Espírito Santo, encarregada da Prefeitura Apostólica de Tefé”.
Na condição de missionário Tastevin buscava se aproximar de índios que considerava passíveis de conversão ao cristianismo e de adotarem os modos de vida brasileiros”. Buscou aprofundar seus conhecimentos antropológicos através de autores franceses e se propunha a representar na Amazônia a antropologia francesa, para isso sendo importante seu relacionamento com autores como Paul Rivet. De outra parte, como esclarece ainda a autora, apesar de reconhecer sua atuação a serviço dos interesses do Estado brasileiro, Tastevin procurava ser um aliado dos indígenas, o que justificaria a idéia de praticar uma antropologia em favor dos povos indígenas.
No caso de Curt Nimuendaju, o que Priscila assinala para chegar à idéia de um fazer antropológico participante, é em primeiro lugar, como nasceu seu interesse pelos povos indígenas da América do Sul, ou seja, de sua leitura dos viajantes e a partir de certo momento, de sua identificação com o pensamento de Humboldt que revelava também especial interesse pelos estudos históricos e geográficos. Escreve a autora sobre as primeiras experiências do jovem estudioso em terras brasileiras:
“ Chegou ao Brasil em 1903. Financiou sua primeira viagem com seu trabalho como cozinheiro. Obteve recursos para suas viagens também no Serviço de Proteção aos Índios.Tornou-se conhecido como etnógrafo vendendo peças etnográficas e arqueológicas para museus do Brasil e da Europa”. Até chegar a atingir a notoriedade mundial, foi inicialmente reconhecido como um mercenário, vendedor de artefatos indígenas, só conseguindo reconhecimento científico quando passou a publicar monografias sobre povos indígenas, em inglês.
Comparando Nimuendaju com Tastevin, a autora adverte que devem ser consideradas semelhanças e diferenças entre suas práticas. Depois de adquirirem experiências, na verdade por caminhos distintos, atuaram ambos em trabalhos de demarcação de fronteiras e realizaram um tipo de trabalho que se aproxima bastante do que chamamos atualmente de “territorialidades indígenas”.
Quanto aos seus papéis de tradutores, de intérpretes dos sistemas culturais indígenas, adverte a autora que:
“ As relações paternalistas que caracterizavam a situação colonial estavam presentes nas práticas de Constant Tastevin e Curt Nimuendaju. Eles imprimiram em seus textos sua participação etnográfica enquanto protetores paternais dos índios”. “Almejavam, com a busca de salvação das línguas e culturas nativas por meio da coleta intensiva de artefatos e vocabulários, a produção de inventários culturais detalhados. Esses trabalhos são hoje utilizados pelos próprios representantes indígenas em suas lutas identitárias.


Segundo Ato. Novos atores, novos cenários.

A segunda parte da obra se concentra mais em atores sociais e cenários que representam movimentos presentes. Entre os quais a obra aborda, através de autores de perspectivas as vezes bem diferenciadas, temas e problemas relacionados com os processos demográficos e populacionais, as formas mais correntes de desterritorialização, a cooperação internacional na perspectiva dos chamados econegócios , além de movimentos de transição da economia extrativo-florestal para o teatro de experimentação tropical das ditas altas tecnologias.
Destacamos do artigo de Edna Castro sobre “Políticas de estado e Atores sociais na Amazônia contemporânea, a idéia de invenção de uma Amazônia contemporânea e de suas vinculações com os matizados espectros de um colonialismo que continua a ser a nossa sombra.
Edna Castro, após empreender uma análise das conseqüências de novos cenários e respectivos protagonistas e figurantes, inventados pelos movimentos de novas fronteiras, das formas pós-modernas do agro-negócio, da pretendida integração continental, sugerindo mesmo uma redefinição da própria identidade sul-americana, interroga-se sobre os novos possíveis protagonismos que estão a se manifestar nos movimentos e desejos dos movimentos emergentes das populações em suas diversidades em constelação.

Uma pergunta oportuna e quase sempre incômoda é formulada por Ulrike Tiemann-Arsenic sobre as perspectivas de futuro, vistas a partir das populações rurais e aglomerados de assentados.
O autor procura apontar que, para além da banalização em que se transformaram certos temas críticos como a destruição ambiental, a emissão de CO², o desenvolvimento sustentável, existem na Amazônia populações que diante desses cenários tão caros aos veículos de comunicação e à rotinização ( com banalização sempre incluída) dos procedimentos acadêmicos e demais atores detentores dos discursos auto-legitimados, homens e mulheres que querem compreender quais as suas chances de melhorar de vida, de terem acesso à educação que os emancipe do anonimato em que são mantidos por gerações a fio.
Ou seja, como ter acesso, na visão do autor, aos benefícios inerentes à cidadania como as oportunidades de escolaridade, infraestrutura relacionada com o abastecimento, água e saneamento básico, energia elétrica, sistema de saúde, meios de comunicação , a que inevitavelmente se somam as necessidades de posse da terra sem a qual não há suporte econômico para a produção de meios de vida e de renda. Uma pauta de desejos de tal dimensão parece, para quem está fora, uma pauta irreal, exagerada.
O autor encerra o seu artigo com duas advertências. A primeira é que, para as pessoas entrevistadas, aqueles grandes problemas da Amazônia que interessam à opinião pública em escala mundial, como a destruição da floresta e seus impactos para o meio ambiente, tem importância bem menor do que os seus próprios problemas, cuja solução era quase sempre “para ontem”. A segunda advertência, segundo também a maioria dos entrevistados, é que seus filhos irão deixar o lugar. Poucos pais querem admitir que seus filhos poderão ficar, mesmo se eventualmente as coisas melhorem.

O artigo de Alfredo Wagner e Rosa Acevedo tem como advertência a constatação de que, se ninguém abre mão da Amazônia, muito menos ainda os protagonistas que se sentem os mais legitimados pela força da ideologia do desenvolvimento e do progresso. São os atores que representam as diversas formas do agro-negócio e das novas configurações da desterritorialização que, conforme nos sugere a leitura, envolvem as estruturas de poder em suas mais diversas instâncias, em processos que se manifestam na própria idéia de uma redefinição de Amazônia Legal em pleno curso, traduzida em seu detalhamento em processos como: redução da reserva legal dos imóveis rurais, liberação de crédito para quem pratica crime ambiental, redução da faixa de fronteira internacional, privatização de terras públicas sem licitação, aspectos esses que os autores nos põem com a necessária clareza em todos os seus possíveis efeitos.
A esses movimentos que percebem a Amazônia como o último cenário da ópera do capital, se contrapõem os interesses de inúmeros atores que querem romper com o silêncio e querem passar de figurantes invisíveis, a protagonistas do primeiro plano da cena. Os autores se referem aos movimentos contra-hegemônicos representados pela afirmação de suas diferenciadas territorialidades- “determinados pelas modalidades de uso das terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, quilombolas, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu castanheiros, comunidades de fundo de pasto, faxinais, ribeirinhos, geraizeiros e outras categorias sociais ” - que,por várias razões, são incompatíveis com os projetos até o presente hegemônicos e vitoriosos dos movimentos da grande ópera em que se transformou o Circo sem teto da Amazônia.

Os econegócios e a cooperação internacional para a sua melhor desenvoltura, necessitam instituir, inventar mesmo, novos discursos sobre o meio ambiente, e a Amazônia como cenário da natureza. Essa é a intenção de Neuza Pressler, ao propor que prestemos mais atenção ao que ela define como o discurso das agências de cooperação internacional que vem atuando junto à comunidades consideradas tradicionais da Amazônia a partir da década de 1990. Entre os objetivos dessas ações externas sobre essas populações alvo, destacam-se o “empreendedorismo”, a “geração de renda” obrigatoriamente condicionados a implementação de negócios sustentáveis, os econegócios, que não podem por sua vez, se dissociarem dos seus resultados, determinados de longe e de fora do que aqui, abusiva e impropriamente se chama de “comunidade”, ou seja, a luta contra os baixos índices de pobreza, a geração de renda e, o mais importante de tudo, “a preservação da natureza”.
O objetivo da discussão que a autora está propondo é a desconstrução do discurso- e é claro das ações – das organizações internacionais que promovem projetos de capacitação profissional de atores sociais que deverão atuar no recém-inventado setor dos econegócios ou negócios sustentáveis. O alvo preferencial dessas ações e atividades são setores e comunidades de “países pobres” e a autora pretende aqui, em três tempos, discutir e retirar de seus invólucros, os discursos sobre a Amazônia, que vem se superpondo desde a década de 1950 até o presente.
A Amazônia é encarada como um teatro no qual a região e seus elementos identificadores, sejam da natureza,sejam da sociedade, são apresentados como exóticos, pois essa condição abrange por assim dizer, as demais.
No cinema, essa Amazônia distante, arredia, misteriosa, aparece em filmes como Aguirre, Fitzcarraldo e mesmo numa versão mais brasileira, em Bye bye Brasil.
A partir da ECO-92 o campo ambiental de que é palco a Amazônia, se define mais nítida e intensamente, transformando-se suas florestas em símbolo primeiro do campo ambiental ocidental.
Como acentua a autora é nesse movimento de dimensão global que a Amazônia, nos termos de Willi Bolle, “passa a configurar-se como uma região universal e teatro do mundo” (2007).
O econegócio, por sua vez, vem crescentemente sendo associado ao seu discurso sobre a Amazônia e a uma pauta variada de produtos ecocorretos: “ Na Amazônia, há vários produtos intitulados como negócios sustentáveis, ecológicos ou econegócios: farinha de banana, Amazon Paper, Castanha do Brasil, embalagens artesanais da Amazônia”.
Pode-se concluir, com as palavras da própria autora, para quem: “...esses enunciados foram construídos a partir de estereótipos suscitados por conceitos de outros campos e esse fenômeno está vinculado à estratégias e ao planejamento de comunicação adotados por governos ou organizações de cooperação internacional no atual mundo globalizado”.

Terceiro Ato: Literatura e Ópera.

Em referência a essa parte final do livro, mencionaremos de forma sumária, os temas dos ensaios que abordam obras literárias e processos de criação ficcional e teatral. O primeiro artigo, aborda uma obra de ficção que tem a Amazônia como palco final.Trata-se do romance Through the arc of the rain forest da escritora nipo-estado-unidense Karen Tei Yamashita, que na tradução brasileira, ganhou o título de Matacão, uma lenda tropical.
Seu aspecto mais particular, entretanto, é o fato de tratar-se de uma obra de ficção que faz parte de uma vertente literária conhecida como asiática-norte americana e que, ao ter sua ação transcorrida na Amazônia, inaugura um campo literário que estava ainda por ser aberto aqui pelo hemisfério sul.
Toda a trama do livro, que se inicia no Japão com acontecimentos inusitados envolvendo o aparecimento de um material com poderes imprevisíveis, leva-nos até Matacão, a localidade situada em ambiente da floresta tropical amazônica, onde ocorre o surgimento de material misterioso, ou seja, de “um plástico que promete aplicações universais a partir do momento em que se encontrar um método de corta-lo, processa-lo e finalmente lhe dar as formas desejadas. Tais perspectivas irão revolucionar toda a economia e com ela também a ecologia e a estrutura social da Amazônia.”
“Mas, da mesma forma que o boom da borracha no início do século XX, o sonho de plástico do Matacão acaba repentinamente e com conseqüências igualmente catastróficas”, como adianta Marcel Vejmelka em seu ensaio aqui comentado brevemente. E anota ainda que, pelo efeito de bactérias invisíveis, todo aquele material, (na verdade produzido pela acumulação do lixo industrial e tecnológico que se concentra no subsolo superficial das regiões equatoriais ainda não contaminadas), tudo que foi produzido com o poderoso plástico passa a se dissolver:
“Prédios, aparelhos, máquinas, alimentos – tudo que foi produzido com o plástico – se dissolve em um finíssimo pó branco”. E prossegue anotando que Yamashita “completa o seu tratamento da Amazônia como palco mundial a partir de uma externalidade múltipla: a vetorização da Amazônia em perspectiva hemisférica e transpacífica”.
Bem a propósito, o autor recorre à obra de Walter Benjamin sobre as origens do drama barroco alemão, para se referir a essa recriação da Amazônia novamente como cenário em ruínas:
“A fisionomia alegórica da natureza-história, posta no palco pelo drama, só está verdadeiramente presente como ruína. Como ruína, a história se fundiu sensorialmente com o cenário. Sob essa forma, a história não constitui um processo de vida eterna, mas de inevitável declínio. Com isso, a alegoria reconhece estar além do belo. As alegorias são no reino dos pensamentos o que as ruínas no reino das coisas” Benjamin, 1984, pp.199-200).

Em seu ensaio sobre o universo ficcional de Dalcídio Jurandir, Gunter K. Pressler apresenta-nos aspectos da narrativa paraense do autor marajoara. Assinalando com brevidade alguns deles, o autor se refere ao fato de que a sofisticada narrativa de Dalcídio Jurandir quando começa a tomar corpo, “estava além do horizonte de expectativa da crítica em meados do século xx, ainda presa a um determinado tipo de regionalismo do romance social” e nesse quadro, sua obra tendo sido considerada como “regionalismo menor” caiu no esquecimento. Isso para lembrar que só agora sua obra ficcional tem recebido a devida atenção, especialmente através de sua reedição que torna possível sua recepção em novo ambiente crítico.
Como dizia o próprio Jurandir: “eu não sou um escritor de grande público. Os meus livros não têm o principal encanto das grandes tiragens, que é essa habilidade para fazer o leitor ser atraído pelo enredo, pelo desenvolvimento da urdidura. Eu me fixo na linguagem, nos vagares da narrativa, no ritmo lento das cenas” (1996,p.29).
O autor procede a um exame da obra ficcional buscando identificar aspectos que a identificam com as grandes narrativas de nosso tempo, entre as quais empreende aproximações com as técnicas de Dostoievski, Proust, Joyce e Thomas Mann, e da própria tradução estética, com a qual transforma suas obras profundamente enraizadas no local em expressões do teatro do mundo.

Em A Amazônia na obra de Robert Musil (ou o Selvagem dentro do europeu civilizado) Stefan Kutzenberger nos surpreende, logo de início, com a revelação de que Musil se refere à Amazônia em sua experiência literária.
Ao nos apresentar as meditações de Robert Musil sobre a América do Sul, o autor adverte que elas “não são autônomas” e que elas se referem também a artigo publicado em Viena em 1920, no qual se refere ao Brasil.
O autor sugere que Musil possuía um interesse particular sobre os povos nativos da América do Sul, interesse este confirmado por sua familiaridade com obras como a de Lévi-Bruhl.
Não poderia deixar também de ser lembrado como um de nossos símbolos culturais, o nosso herói sem nenhum caráter, o Macunaíma de Mário de Andrade, em paralelo com seu personagem O Homem sem qualidades.
Esclarece na parte final de seu artigo que:
“Robert Musil vivenciou pessoalmente, como sargento no front italiano, que o homem é capaz de tudo, e procurava uma explicação para essas impossibilidades humanas que a guerra fez surgir. O ser humano “tem capacidade para a antropofagia como para a crítica da razão pura” e a metáfora antropofágica parece ter sido cara a tal ponto de estar presente em O Homem sem qualidades e esse outro extremo do homem, segundo Pressler, “recebeu inspiração da Amazônia, de dois lados diferentes: primeiro, através da participação dos índios bororo, que se vêem a si próprios como araras, e, segundo, através do sensível antropófago ( mencionado em anedota no ensaio), que perfeitamente poderia ter sido Rainer Maria Rilke.”

O último artigo, de Joachim Bernauer, O Amazonas como ópera: onde Artemídia e Teatro Musical contemporâneo se encontram como os rios Negro e Solimões, relata as experiências que representam o ponto de partida para a idéia de organizar o livro. Esclarece sobre a participação de instituições e pessoas brasileiras e alemãs nesse projeto que pretende interagir também com indígenas da Amazônia, e seu artigo nos fornece uma idéia bastante nítida do ambiente em que transcorre toda uma difícil participação Yanomami.
Finaliza esclarecendo que a dimensão de artemídia desse projeto de ópera não se limita à incorporação de tecnologias de ponta disponíveis , mas da busca de uma nova unidade intrínseca em que a música possa ser visível, como as imagens e outros elemento visuais possam ser ouvidos.

domingo, 6 de março de 2011

TEATRO AMAZONAS NO CARNAVAL












O TEATRO AMAZONAS VIRA SAMBA-ENREDO EM 2011


ESCOLA DE SAMBA UNIDOS DE VILA MARIA

http://www.unidosdevilamaria.com.br/

OUÇA O SAMBA EM:


http://veja.abril.com.br/blog/passarela/carnaval-2011/vila-maria/

samba:
Intérpretes: Fernandinho SP, Baby e Quinho
Letra do Samba:

Abrem-se as cortinas
O show vai começar
Terra abençoada
Da seringueira veio a força do lugar
Manaus da nobreza e da prosperidade
De um sonho fez realidade
A nossa Paris tropical
Ganhou um novo templo da cultura mundial
Arquitetura europeia em meio à natureza
Um céu onde reluzem as estrelas

Gira bailarina
A ópera vai te emocionar
A orquestra na regência do maestro
Faz a plateia delirar

Tenores dando vida às canções
Poetas encantando multidões
Apesar da ventania a luz não se apagou
Real ou ilusão
Obras da imaginação
Ressurgiu com lindos festivais
Artistas geniais
Ao mundo baila o filho desse chão
A próxima atração, aguarde para ver
Manaus em cartaz, de braços abertos
Pra você

Vai brilhar no palco do samba
O meu pavilhão
A Vila Maria entra em cena
Teatro Amazonas, cenário da inspiração

T.A. NO CARNAVAL










"Madrinha de bateria, Scheila Carvalho participa de ensaio de quadra da escola Unidos de Vila Maria, em São Paulo (24/1/2011). Da esquerda para a direita, a porta-bandeira Marina Maria de Oliveira Antônio, Scheila, o mestre-sala Rodrigo Antônio Bernardo e o presidente da escola Paulo Sérgio Pereira - AgNews"

TEATRO AMAZONAS NO CARNAVAL

sexta-feira, 4 de março de 2011

SHAKESPEARE (trad. Rogel Samuel)













Daquelas belas criaturas retorno ansiamos,
A que suas belezas nunca morram
E quando cair do tempo o Outono
Guardemos na memória sua herança.

E Tu, que só teus belos olhos amas,
Te alimentas apenas de tua própria chama
E produzes fome onde abundância existe
Por que teu suave ser é tão adverso?

Pois és do mundo agora o ornamento
És o único cantor da primavera
E recusas em ti o teu contentamento

Egoísta da natureza que há contigo
Do mundo não tens piedade, nem lamentas
Se colher no chão do túmulo o que te foi servido

(trad. Rogel Samuel)

terça-feira, 1 de março de 2011

Ernesto Penafort












SONETO DO OLHAR AZUL

de azul, azul demais é a luz dos olhos
que espiam em constante claridade
o escorrer, como um rio, uma cidade
com seus becos e sombras - vãos mistérios.
estranhamente azul é a luz dos olhos
que se alçam como pássaros - aéreos
de azul e luz - suspensos de saudade;
e de onde escapa um rio (o rio outro)
cujo leito é de saI e de agonia,
por sobre cujas águas não flutua,
embora em desespero, a luz do dia.
é noturno esse olhar? quem sabe a imagem
daquilo que entre gritos se anuncia
e em silencio acontece - e se faz lua.

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