A
ESTRANHA CIDADE DE MANAUS
Rogel
Samuel
Manaus é uma cidade estranha. Por
tudo. Ali uma estátua da Justiça tem nas mãos uma balança que pende mais para um
lado do para que o outro. Aparece em cima do imponente prédio do Tribunal da
Justiça, construído por Eduardo Ribeiro, o construtor da cidade. Aquele que fez
o Teatro Amazonas. Quando naquela cidade – dizem – se acendiam os charutos com
dinheiro.
E
assisto, debaixo de uma chuva miúda, ao escritor Marcio Sousa subir a rua
Saldanha Marinho, no dia das mães. Agora mora lá, no centro da cidade. Ele,
famoso escritor, voltou.
Quando estive em
Portland, acompanhado do pianista Christopher Schindler, e de sua mulher, a
artista plástica Chrystal Zachary, fui
à melhor livraria da cidade.
O
único escritor brasileiro que ali encontrei foi Márcio
Sousa.
Sim, Manaus é uma cidade estranha.
Já
foi mais bela, menos quente.
Segundo
se diz, um prefeito de Manaus, hoje nome de bairro, mandou cortar milhares de
árvores que embelezavam as ruas e nos davam sombras.
Eram
mangueiras asiáticas, fícus indianos. Desapareceram. Segundo ele, sujavam a
cidade. Estavam infestadas de insetos, «lacerdinhas».
Por isso, quando, ao sair para
caminhar na raiz daquelas ruas, eu canto de Luiz Bacellar a Balada da rua da
Conceição (hoje rua Isabel) no devaneio do percorrer as instabilidades
pós-industriais, reinventando a cidade dos meus dias de infância na grande
Dúvida,
(Mas será
mesmo que existe
essa rua na
cidade?
ou é rua da
Conceição
no velho Cais
da Saudade?)
Aquelas
são ruas de uma metafísica urbana transfigurante, reflexos das garrafas estilhaçadas, das
letras enferrujadas, que etiquetavam o nome, o sobrenome dos ricos, dos becos,
dialeticamente traçados no alargamento de uma cidade em interna ruína (mas
inteiro espetáculo), nos axiomas da decadência da economia da borracha no
Amazonas.
A cidade guardou no
interno intestino o esplendor dos velhos e áureos momentos que Bacellar nunca
cantou ("nunca escrevi um poema sobre o Teatro Amazonas", - disse-me ele).
Mas,
nas árvores, cansadas, as epifanias, as trilhas, as colhidas, os duendes, os
enforcados, os relatos, os obstáculos, os saberes, as caras, o antes, as
obsessões citadinas, a onisciência, os pássaros e papagaios de papel, a Neca, a
verdade certeira, a prudência, a vigilâncias, o risco, o dragão, a vida
cartesiana: fatos acumulados em "lírios" e "peitinhos", "rosa menina", que levam
a marca de saias levantadas da imensa tradição de uma sociedade fossilizada no
Século Dezenove.
Lá
estão todos os meus fantasmas infantis.
A
razão humana abandona para sempre aqueles versos de finados, de fraque, de
orações pressurosas, de sepulturas e
beatas cobertas, "de cera e de fogo", em que se constitui o livro de Luiz
Bacellar.
Podemos
dizer que, fora das páginas de Bacelar, a cidade de Manaus nem mesmo existe.
Como
na «Balada das 13 casas, são 13 casas unidas, nascidas no mesmo lance de rua,
com as mesmas paredes-meias, os mesmos oitões de taipa, a mesma fachada nua e
as mesmas janelas tristes de 13 casas na rua.
NOTURNO
DO BAIRRO DOS TOCOS
Há tanta angústia antiga em cada prédio!
Em cada pedra nua e gasta. E agora
em necessário pranto que demora
o amargo verso vem como remédio
pelos sonhos frustrados em cada hora
da ingaia infância. Madurando o tédio
nos becos turvos, porque exige e pede-o
inquieta solidão que assiste e mora
em cada tronco e raiz, calçada e muro:Chora-Vintém, O-Pau-Não-Cessa* . Impuro
se derrama um palor de lua morta
nas crinas tristes, no anguloso flanco:
memória e angústia fundem-se num branco
cavalo manco numa rua torta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário