domingo, 24 de abril de 2011

POEMA













como apareces, planície
entre o linho e o azul deserto
a praia se abre em palácio
na glória de tuas sedas
no teu sorriso de ledas
e severidades deusas
nos olhos de mil portas
(mas apenas te vi: na verdade
eras efemeridade)

Rogel Samuel

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O IGARAPÉ DO INFERNO, 2












O IGARAPÉ DO INFERNO, 2

Rogel Samuel






Zequinha, não. Não e não! Relações exclusivas: Maria Caxinauá e o
bugre Paxiúba, o Mulo. Você ri? Ri? Gosto. Você ri. Você acha a minha fala muito velha? À medida que envelheci, reinventei a fala, pra falar, e você sabe. Sabe, tenho pouco tempo de vida. Não, não. Tenho. Já sinto a mordida da morte. Minto?
Zequinha nasceu em 1890, no Manixi. No meio daqueles índios. Eram os Caxinauás, mansos mansos. Eram os Numas, violentos, assassinos eles.

O Seringal Manixi se estendia que muito além das margens do Igarapé do Inferno. Aquilo saía no Igarapé Bom Jardim, que sai no Rio Jordão, e deságua no Rio Tarauacá, tributário do Rio Juruá, afluente do Solimões. Não é o fim do mundo? Onde? Onde? Ah, você? Lá, no rendilhado labirinto de ilhas e trilhas, de furos e lagos. Lá nasceu Zequinha, filho da vida do fim do mundo, filho do Pierre Bataillon e da dona Ifigênia, oh, essa mulher hábil, aparentada da família Vellarde, são colombianos, sabe? — seu pai era primo de D. Angel. A lenda ainda circula na cidade de Tarauacá. Atribuem a ela a rainha da riqueza, rainha. As ligações peruanas e colombianas de D. Ifigênia. Na guerra do Acre. Pierre se deu bem com os dois lados. Seu Seringal ficava do outro lado, fora da área conflitada. Fora.

A educação refinada de Zequinha foi outro caso.
Em 92, quer dizer, em 1892, a malária dizimava os curumins de todos os lados, todos, nas barrancas do Juruá. A família Bataillon, instalada à bordo do Barão de Juruá, não saía, com medo.
E cruzou por ali um cargueiro inglês.
Não, não está gravando, menino, socorro, não tá. Já se foi, se foi. O cargueiro se chamava Santa Maria de la Mar Dulce — o Paraná-guaçu — mas também Vicente Yanes Pinson, pois ia, antes de dizer, que fizera parte de um acordo. O Santa passava por ali, no momento, de bubuia, de descida, de embalo, debaixo do sol dourado, apresentando vasta e esteira branca, bigodão cheio, a proa cortando com fúria as águas pardas em direção a ponta do Fagoroso, do Inhame, do Capareral, talvez de Forso, em virtude da aparência de um perfil de mulher, e dali para as ilhas, rota batida da nossa borracha. O quê? Ah, sim, sim.
Pois bem, pois bem, pois sim, muito bem. Se você quiser eu paro, paro de contar, muito bem, muito bem, gosto de você, belezinha, assim gosto, me dá um pouco de café, mais forte, estou morrendo, hoje escolhi para morrer. O quê? Já senti a ponta da mordida da morte. Você está ouvindo, surdo? Surdo surdo. Conto conto.

Em 1894, ou seja, dois anos depois, a epidemia passou, e os Bataillons estavam de volta ao Manixi, quer dizer Zequinha, sua mãe. Sabe: um segredo, voltou só ele e a mãe. Portanto Zequinha ficou até os oito anos de idade entre os índios, sob a influência da Caxinauá. Sinto não sinto. Não e não. Olho pra você e digo: eis ai quem tem. Sinto não.
Em 1898 Zequinha voltou para capital do Reichland de Alsácia-Lorena, os primeiros estudos. Morava ao lado da catedral famosa, fama. Conheço a catedral de Estrasburgo. O relógio conheço. Aos quinze anos está de volta, no Seringal falando francês, alemão, tocando piano, foi quando amasiou-se com a índia Maria Caxinauá.
Em 1907, ficou órfão de mãe. D. Ifigênia faleceu. Ele voltou, de novo, para a Europa, voltou para Paris. Morava na Rue de Sevres, se não me engano, em companhia de uma mulher desconhecida. Daí também morre de malária seu pai, em 1910, e ele vem para cá, de novo, já para vender tudo, o Manixi, o império selvagem, homem de muita fortuna. Mas sim. Mas há quem diga que os dois morreram no naufrágio. Mentira, mentira.
Uma coisa é certo: o jovem Batailon assim como sabia tocar excelentemente uma sonata de Beethoven ao piano, podia, o puto, podia andar inteiramente nu pela mata. Como um índio!
Sim, seu desaparecimento nunca foi explicado.
Me dá um poucode café, estou ficando cego, cansado, não acabo a merda desta estória, oh esse seu Narrador, menino, nunca fique velho, não! mate-se antes, dane-se enquanto jovem, mas não deixe a decomposição da velhice chegar. Isto é humilhante! E estou velho porque tenho medo, medo de morrer. Medo! A velhice é o medo! Medo de morrer. Eu sempre fui suicida, sabe, mas já velho mudei, fraquejei, por isso tenho medo de morrer. O suicida tem medo de morrer. Morre antes, morre logo. Quê? Você quer me matar, é? quer me assaltar? É? Ho ho, sinto, sinto isso, sinto, sinto, conto. E digo, já fui muito rico. Rico! Como é mesmo o seu nome?

Menti? Não menti. Velho não mente. Inventa. Sou mais velho do que este mundo. Já perdi a noção da Verdade. Bonito? Ah ah. Você evangélico acha isso bonito? Tudo aqui é velho, as fotos, os móveis. Tudo sujo. Vivo aqui há muitos anos. Antes, tinha uma mulher que vinha, limpava, mas a Geralda morreu, morreu. Como é esta morte? Eu vivi, vivi e nao ria, não, o que não sei como é a cara da morte. Nunca saberei. Saberei. Oh, sim, já. Ah ah, você vê? Você vê? Conto, conto. Está uma puta chuva, meu Deus, vai alagar tudo tudo. Que frio!

Aonde eu? Bem. Foi lá. Lá. Foi na Praia do Cuco, à margem esquerda do Igarapé do Inferno, que foi visto pela última vez. Do outro lado ficava a Ponta do Fedegoso. Ali eram vistos, em outras épocas, os Numas, os guerreiros Numas nus, escondidos na vegetaçao, entre Tacacazeiros da Várzea, os paudebalsa, molongós que ali nascem, entre cipós titicas e cordas de tucum. Ali tem mais, muita sorva assassina, massaranduba, ja foi lugar de viração de tartaruga, de arapoca de cheiro, de ucuúba, de anil. Oh, vida vida. Sabe, menino, você é muito bom para mim. Você me faz bem lembrar. Você até me da vontade de me matar. Viver? Com força, com unhas e dentes, com sangue, com pus, e não quero beber o bolero. Ah ah, não tenha medo, não sou louco. Não. Vi um homem velho morrer abandonado sozinho no seu colchão – ele estava deitado em cima de um mar de suas fezes. Você não que saber o que é a morte? Era aquilo, a cama se tinha transformado numa bacia de fezes, mesmo na parede havia fezes coladas, respingadas, espalhadas, tudo aqui fedia, pois aquele homem era agora uma montanha de excrementos e o fedor era sentido já no corredor da entrada do prédio, como algo estranho, mais que fecal, excrementício, coliforme, como uma borra aveludada de esgoto úmido e pútrido. Aquilo, digo, entrava pelos narizes e não saía nunca mais da narina da gente como se nos infeccionasse e contaminasse e empestasse por dentro com a matéria pestilenta da morte.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O IGARAPÉ DO INFERNO, 1










O IGARAPÉ DO INFERNO

Rogel Samuel


1.

- Vou contar. O quê? Você quer que eu continue? Não, não, meu menino, dos líquidos do corpo, o pus, a gosma, a saliva, o muco, as palavras ingratas: a linfa a fonte o plasma aquoso, amarelo-transparente, entende o que digo?, enzimas, digo, ceras, seivas pegajosas, urina e cerveja, você não sabe o que isso, de ontem, de outra época, das terras voadoras das palavras verazes, elásticas, humores, borracha, pau de leite, sim, tudo que esmaga e esguicha, mas o pior é o sangue, o sangue, mas sim, você me interrompeu com perguntas, e estou pegando o rumo, e você?, e você?

Era assim que falava Maneco Bastos, Manuel Bastos Filho, para aquele rapaz. Ele tinha o mesmo nome do falecido pai, Manuel Bastos, dono do Bar Bacurau, na João Coelho.
A noite prosseguia.
Estavam na Lapa, no Rio de Janeiro. Somente poucos fregueses ali, bêbados, cansados. Clima de decadência, pobreza.
- Pois sim sim, disse ele. Meteu a unha na fenda do parafuso, forçou, dali saiu um líquido gomoso e muito vermelho escuro, mas o parafuso não cedeu, nem se moveu, e ele quase não sentia a dor, a cabeça do parafuso fendida rasgou o dedo, pingando suor em cima, cabeça de falo e fendida, emperrado impedia a focalização do binóculo.
Aquilo era luneta de 1845, merda, por quê?, o quê? agora o olho burro vê, focaliza, e tudo vê, bem nítido e bonito, mas a imagem da orla da Praia do Cuco, a língua branca, de açúcar, que avançava até as águas do Igarapé do Inferno.
“Tudo bem?”, perguntou ele assim. “Aquilo se move?” Agora aquilo se move?, foi o que ele perguntou e disse, ou o que disseram que ele disse.
Do convés do “Barão do Juruá” ele observava a orla da Praia do Cuco, a copa das arvores verdes, lindo lindo. Sim, um susto, um gesto. Que é? Não é? Continuava a se mover, tinha visto, continuava ainda vendo? Via. Com nitidez, dentro do círculo de luz do fim do foco. Do fim fundo escuro do foco. Mas nada não disse do que tinha visto e estava vendo. Nunca disse. Zequinha ficou e ninguém viu quando ele desceu do navio para a floresta, e em minutos desaparecia ali.


Oh, oh! – disse ele -. O desaparecimento de Zequinha Batelão foi um desastre! Um desastre escandaloso. Ele era dos homens mais ricos e bonitos do Amazonas, do Alto Juruá, na época. Sabe? Sabe? Um segredo: Todas as jóias da família ainda estão lá, até hoje escondidas, num cofre debaixo de uma grande pedra da Praia do Cuco. Inclusive a tiara de esmeraldas e brilhantes que pertenceu à Rainha Vitória. Mas só eu sei onde está.
O fim de Zequinha foi lá a coisa mais misteriosa, perturbou a imaginação do povo amazônico. Hipóteses absurdas, cabeludas leseiras, injustificadas. Tolices, surpresas de todo tipo do fio fino do destino. O quê? O destino é isso, seu merda. Nós morremos e é só, morremos um pouco a cada agonia. O destino é o pré-dito, os ditos, os feitos, a trama universal. Não, não é acidental. Só quando feito não era o pretendido. Nós agarramos o destino com as mãos de sangue, com as mãos cegas, com as mãos da sobrevivência, com as mãos que sangram. O acidental não tem deliberação. Cega necessidade física. Luta de vida e de morte, contra a causalidade da sorte. Violência não - causa. Quando vejo minha vida, inteira, uma serie de anos e danos escrotos, estéreis, inúteis, impunes, sinto os acontecimentos mas sem as conexões, pois eu não sei ser: ser é esperar, ser é morrer.
Mas com você me perco. Vamos, vamos continuar.
Zequinha desapareceu em 1912. Tinha 22 anos. Já vendido o Seringal Manixi a um homem chamado Ferreira, Dr. Antonio Ferreira, de Manaus.
Zequinha tinha chegado da Europa, Paris era um luxo, eu estive em Paris, morei em Paris, na Rua Fondary, 30, no Hotel Fondary. Era perto da Torre. Zequinha liquidou tudo, menos o “Palácio Manixi”, o "art-nouveau" palácio, como esta minha pessoa diz que aqui falo. Adiou o regresso, meses e meses, e não tinha pressa, esperava acontecimentos.

Zequinha era um rapaz estranho. Mas o descompasso, o contraditório, ah isso era, delicado selvagem culto. Os cabelos lisos e pretos como a mãe índia, quíchua. Ele era uma mistura de índia com uma princesa espanhola. Família Cellis. Olhinhos também pretinhos, muito vivinhos e pretos. Lábios sensuais. Príncipe! Príncipe amazônico, selvagem, sofisticado, adamado, maneiro. Pois a que beleza se reduz a só. Você é belo? O belo é o que aparece belo, para mim só. Ser é parecer. Eu fui, na juventude. Eu era um luxo. Nessa idade? O quê? Quantos anos tenho? Ah, ah, não digo não, no esconso. Tenho o tenho, no que dá. Você quantos tem? Pois, meu caro, meu caríssimo. Nenhuma, você está bêbado, você quer agradar porque eu pago. Faz bem. Continue assim. Mas era assim. Um instinto social, no que de uma propriedade das coisas, um fato em si, mas de um valor lógico, do desejo, da utilidade, do prazer, da vida, valores cognitivos. O Belo é apenas uma frase. Um atributo. Mas eu esqueço que você só tem uns poucos anos. Eu vi, vivi, estou à morte. Estou à morte. Ah, ah, ah. Sim sim. A mor-te! Ah, ah, - ria-se ele.

domingo, 3 de abril de 2011

Teatro Amazonas todo azul


Teatro Amazonas todo azul



O Teatro ficará azul até domingo - Joel Rosa
.Na noite desta sexta-feira (1), o Teatro Amazonas ficou todo azul em comemoração ao dia Mundial da Conscientização do Transtorno Espectro do Autismo, celebrado no dia 2 de abril.

Luminárias azuis foram espalhadas no entorno do Teatro que ficará iluminado até o próximo domingo (3). O azul é considerada a cor do autismo por isso a homenagem, organizada pelo Governo do Estado do Amazonas em parceria com Secretaria de Cultura (SEC).

A Associação de Amigos do Autista no Amazonas (AMA/AM) está realizando atividades em diferentes locais da cidade.

A Secretaria de Cultura está organizando para o final de semana, ações de apoio ao autismo. No sábado (2), às 7h, será realizada uma Missa na Paróquia São Sebastião celebrada pelo Frei Ricardo Farias.

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